terça-feira, 21 de setembro de 2010

"Teoria" Queer

Queer pode ser traduzido por estranho, talvez ridículo, excêntrico, raro, extraordinário. Mas a expressão também se constitui na forma pejorativa com que são designados homens e mulheres homossexuais. Este termo, com toda sua carga de estranheza e de deboche, é assumido por uma vertente dos movimentos homossexuais precisamente para caracterizar sua perspectiva de oposição e de contestação. Para esse grupo, queer significa colocar-se contra a normalização – venha ela de onde vier. Seu alvo mais imediato de oposição é, certamente, a heteronormatividade compulsória da sociedade; mas não escaparia de sua crítica a normalização e a estabilidade propostas pela política de identidade do movimento homossexual dominante. Queer representa claramente a diferença que não quer ser assimilada ou tolerada e, portanto, sua forma de ação é muito mais transgressiva e perturbadora.
É preciso reconhecer que, no interior mesmo dos grupos chamados minoritários, se constroem divisões, experimentam-se fraturas. A política de identidade empreendida por esses grupos fixa uma identidade gay ou lésbica, ao elaborar uma representação do sujeito homossexual que é mais “legítima” do que outras. Faz-se notar “diferenças” entre os já “diferentes”.
Uma meta importante da política afirmativa é a extensão, para todos, dos direitos e condições sociais que historicamente haviam sido privilégios de uns poucos – homens brancos heterossexuais. Contudo, por vezes, essa luta deixa de lado a crítica mais contundente aos arranjos, às leis e às instituições reguladores da sociedade.
Judith Butler toma emprestado da lingüística o conceito de performatividade, para afirmar que a linguagem que se refere aos corpos ou ao sexo não faz apenas uma constatação ou uma descrição desses corpos, mas, no instante mesmo da nomeação, constrói, “faz” aquilo que nomeia, isto é, produz os corpos e os sujeitos.
Segundo os teóricos/as queer é necessário empreender uma mudança epistemológica que efetivamente rompa com a lógica binária e com seus efeitos: a hierarquia, a classificação, a dominação e a exclusão. Uma abordagem desconstrutiva permitiria compreender a heterossexualidade e a homossexualidade como interdependentes, como mutuamente necessárias e como integrantes de um mesmo quadro de referências. Analisada a mútua dependência dos pólos, estariam colocadas em xeque a naturalização e a superioridade da heterossexualidade.
Esses teóricos sugerem uma teoria e uma política pós-identitárias, cujo alvo consiste na crítica à oposição heterossexual/homossexual, compreendida como a categoria central que organiza as práticas sociais, o conhecimento e as relações entre os sujeitos.
Queer se torna, assim, uma atitude epistemológica que não se restringe à identidade e ao conhecimento sexuais, mas que se estende para o conhecimento e a identidade de modo geral. Pensar queer significa questionar, problematizar, contestar, todas as formas bem comportadas de conhecimento e de identidade. A epistemologia queer pode ser considerada, portanto, perversa, subversiva, impertinente, irreverente, profana, desrespeitosa”.
Nesse sentido, se é possível pensar numa pedagogia e num currículo queer, eles estariam voltados para o processo de produção das diferenças e trabalhariam, centralmente, com a instabilidade e a precariedade de todas as identidades. Ao colocar em discussão as formas como o outro é constituído, a teorização queer possibilitaria questionar as estreitas relações do eu com o outro. Busca-se desconstruir o processo pelo qual alguns sujeitos se tornam normalizados e outros marginalizados.
Tal mecanismo desconstrutivo poderia ser transferido a outras polaridades/binarismos como aquele que opõe o conhecimento à ignorância. Como sugerem teóricas/os queer, a ignorância não é “neutra”, nem é um “estado original”, mas, em vez disso, que ela “é um efeito – não uma ausência – de conhecimento”. Admitir que a ignorância pode ser compreendida como sendo produzida por um tipo particular de conhecimento ou produzida por um modo de conhecer.
Portanto, o grande desafio não é apenas assumir que as posições de gênero e sexuais se multiplicaram e, então, que é impossível lidar com elas apoiadas em esquemas binários; mas também admitir que as fronteiras vêm sendo constantemente atravessadas e – o que é ainda mais complicado – que o lugar social no qual alguns sujeitos vivem é exatamente a fronteira. Agora as certezas escapam, os modelos mostram-se inúteis, as fórmulas são inoperantes. A vocação normalizadora da Educação vê-se ameaçada. O anseio pelo cânone e pelas metas confiáveis é abalado.
Mais do que uma nova posição de sujeito ou um lugar social estabelecido, queer indica um movimento, uma inclinação. Supõe a não-acomodação, admite a ambigüidade, o não-lugar, o trânsito, o estar-entre. Portanto, mais do que uma identidade, queer sinaliza uma disposição ou um modo de ser e de viver.

Referências Bibliográficas

BUTLER, Judith. Corpos que pesam: sobre os limites discursivos do “sexo”. In: LOURO, Guacira Lopes (org.). O corpo educado: pedagogias da sexualidade. 2ª ed., 3ª reimpressão. Belo Horizonte: Autêntica, 2007, p. 151-172.
LOURO, Guacira Lopes. Teoria Queer: uma política pós-identitária para a educação. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, n. 2, v.9, p. 541-553, 2001.
______. O estranhamento queer. Comunicação apresentada no Seminário Internacional Fazendo Gênero 7, no Simpósio Temático A violência material e simbólica, agosto de 2006.
______. Um corpo estranho: ensaios sobre sexualidade e teoria queer. Belo Horizonte: Autêntica, 2004.

Corpos marcados, corpos em mutação - prof. Charles Ross

O corpo: superfície de inscrição dos acontecimentos (enquanto a linguagem os marca e as idéias os dissolvem), lugar de dissociação do Eu (que supõe a quimera como análise da proveniência, está, portanto no ponto de articulação do corpo com a história. Ela deve mostrar o corpo inteiramente marcado de história e a história arruinando o corpo (FOUCAULT, 2008, p. 22).
Michel Foucault não foi o único, mas um dos autores que alertaram para a desnaturalização do corpo, para a constatação de que a história e as sociedades têm, por base, a “realidade” corpórea que é, ao mesmo tempo, complexa e heterogênea.
Na modernidade e na contemporaneidade, edificam-se relações de poder que têm como objetivo central a administração dos corpos, individual e social: “o poder penetrou no corpo, encontra-se exposto no próprio corpo” e produz efeitos sobre ele (FOUCAULT, 2008, p. 146). Em outras palavras, a potência dessa economia de poder, intitulada por Foucault de biopoder, reside no fato dela assumir as formas mais regionais e concretas e, dessa forma, atingir a realidade mais concreta dos corpos.
Tais relações de poder põem em circulação práticas discursivas e não-discursivas que, de acordo com interesses particulares, fazem a sua circunscrição em quadros de referência específicos. Tais práticas tomam corpo e tomam o próprio corpo em esquemas de comportamento, em conjuntos técnicos, em instituições que, atuando de forma articulada, operacionalizam a transmissão e a difusão de modos específicos de subjetivação.
Há, portanto, uma expressiva vontade de saber sobre os corpos, uma necessidade crescente de produzir saberes e acumular poderes sobre eles e de atrelá-los ao direito de majorar os níveis de prazer, de utilidade, de governá-los. Nesse sentido, é importante buscar apreender as condições de possibilidade que fazem emergir, em cada época, as relações e as oposições entre os corpos, suas designações e suas especificidades. Uma vez que para governar produzem-se técnicas de subjetivação, com o objetivo de produzir conhecimento sobre os corpos humanos, convém “pesquisar quais são as formas e as modalidades da relação consigo através das quais o indivíduo se constitui e se reconhece como sujeito” (FOUCAULT, 2006, p. 11).
No seu livro Tabu do Corpo, José Carlos Rodrigues (2006) afirma que o corpo traz em si a marca da vida social. Há uma preocupação em fazer imprimir nele, fisicamente, determinadas transformações de um repertório cujos limites não se pode definir. Arranhando, rasgando, perfurando, queimando a pele, imprimem-se cicatrizes-signos que são formas artísticas ou indicadores rituais de status. A origem dessas práticas é social: são signos de pertinência do grupo e de concordâncias com seus princípios.
Como salienta Guacira Lopes Louro (2003), os corpos são marcados de vários modos e estão inscritos social, simbólica e materialmente. Marcas distintivas, expressivas, sutis ou violentas, que podem ser infligidas pelo próprio sujeito ou pelo grupo social. Seja de quem for a iniciativa, é indispensável reconhecer que essa “marcação” tem efeitos. Uma multiplicidade de sinais, códigos e atitudes produz referências que “fazem sentido” no interior da cultura e que definem (pelo menos momentaneamente) quem é o sujeito. Tal marcação é:

[...] cotidiana; supõe investimento, intervenção. Processos que se fazem ao longo da existência de cada sujeito, de forma continuada e permanente. Processos que estão articulados aos inúmeros discursos que circulam numa sociedade e que podem ser compreendidos como pedagogias voltadas à produção dos corpos. Essas pedagogias são, usualmente, reiterativas das normas regulatórias de uma cultura: suas normas de gênero e sexuais, em especial. Elas não são, contudo, sempre convergentes ou homogêneas. Os sujeitos são alvo de pedagogias distintas, discordantes, por vezes contraditórias. Tudo isso torna cada vez mais problemática a pretensão de tomar os corpos como estáveis e definidos. Tudo isso torna cada vez mais impossível a pretensão de tomá-los como naturais (LOURO, 2003).
A partir do século XX o que predomina não é mais a imposição das disciplinas, mas a socialização pelas escolhas e pelas imagens que compõem novas estratégias de modelização. Na sociedade em que vivemos produz-se, portanto, outros corpos, outras realidades e outras abjeções. O prazer do banho, da toalete, do esforço físico é, em parte, uma satisfação autocontemplativa. Cuidar do corpo é prepará-lo para ser mostrado. Exibe-se o bronzeado, a pele lisa e firme, a flexibilidade, o dinamismo do estilo esportivo. No centro da vida privada, cuidar do corpo não é apenas fazer a toalete, tratar dele e defendê-lo contra os assaltos da idade: é também geri-lo de forma a obter sempre “mais” saúde.
Das terapias de toda espécie aos cremes e remédios, passando pelas danças e ginásticas, vai se atualizando, num esforço exaustivo, a potência dos corpos. São políticas de captura, atos de sacrifício, disfarçados de alegria obrigatória. “Corporeidade compreendida como labirinto de máscaras, pele que adere à outra pele, porém, nunca completamente, não apenas por subtração, mas pelo deslocamento de suas zonas de sombra e de luz” (SANT’ANNA, 1995).
À sociedade de produção segue-se a cultura do consumo, na qual a percepção do corpo é dominada pelas imagens que mostram “o ideal corporal”. Dessa maneira, as pessoas são persuadidas a alcançar a aparência desejável, não escapando, desta forma, da cartilha do totalitarismo fotogênico que prevê um ideário de maratonas a serem seguidas e vencidas. Um totalitarismo que acontece por meio do consumo que homogeneiza padrões de comportamentos e de gosto, atribuindo ao indivíduo a responsabilidade pela plástica do seu corpo.
Enfim, o século XXI, assim como outrora o século XX, administra o corpo como “objeto”, ao qual seria possível modelar dieteticamente, estilística, genética e tecnologicamente. A atualidade fomenta a idéia da perfeição indefinida do corpo. Este século transformou o corpo em superfície estratégica de controle, em enigma do qual é preciso extrair discursos de saber para poder administrá-los. O surgimento da microbiologia, da robótica e da genética, tornou plausíveis as promessas de um corpo fisiologicamente perfeito, iniciado pela ciência e a eugenia do início do século XX. O que era medicina preventiva no passado, preocupando-se em constatar doenças, passou a se caracterizar como medicina preditiva neste século.
De qualquer maneira cabe lembrar que os significados dos corpos deslizam e escapam não apenas porque são alterados, mas porque são objetos de disputas. Distintas instâncias político-culturais falam dos corpos, afirmam o que eles são, explicam-nos, dizem como devem ser. Decidem sobre a sexualidade, sobre a vida, o prazer, o nascimento e a morte (LOURO, 2003). O corpo inteiramente marcado de história e a história arruinando o corpo (FOUCAULT, 2008, p. 22).

Referências Bibliográficas

FOUCAULT, Michel. História da sexualidade II: o uso dos prazeres. Rio de Janeiro: Edições Graal, 2006.
______. Microfísica do Poder. Rio de Janeiro: Edições Graal, 2008.
LOURO, Guacira Lopes. Corpos que escapam. Labrys. Estudos Feministas (Online), Brasilia/Montreal/Paris, v. 04, 2003.
RODRIGUES, José Carlos. Tabu do corpo. Rio de Janeiro: Ed. FIOCRUZ, 2006.
SANT’ANNA, Denise Bernuzzi (org.). Políticas do Corpo. São Paulo: Estação Liberdade, 1995.
______. Corpos de passagem: ensaios sobre a subjetividade contemporânea. São Paulo: Estação Liberdade, 2001.

Gênero e sexualidades numa perspectiva pós-estruturalista

Para que se compreenda o lugar e as relações de homens e mulheres numa sociedade importa observar não exatamente seus sexos, mas sim tudo o que socialmente se construiu sobre os sexos. Nesse sentido, não são propriamente as características sexuais, mas é a forma como essas características são representadas ou valorizadas, aquilo que se diz ou se pensa sobre elas que vai constituir, efetivamente, o que é feminino ou masculino em uma dada sociedade e em um dado momento histórico.
Ao dirigir o foco para o caráter fundamentalmente social, não há, contudo, a pretensão de negar que o gênero se constitui com ou sobre corpos sexuados, ou seja, não é negada a biologia, mas enfatizada, deliberadamente, a construção social e histórica produzida sobre as características biológicas. Como menciona Robert Connell (1995, p. 189), "no gênero, a prática social se dirige aos corpos". O conceito pretende se referir ao modo como as características sexuais são compreendidas e representadas ou, então, como são "trazidas para a prática social e tornadas parte do processo histórico".
Na medida em que o conceito afirma o caráter social do feminino e do masculino, obriga aquelas/es que o empregam a levar em consideração as distintas sociedades e os distintos momentos históricos de que estão tratando. Afasta-se (ou se tem a intenção de afastar) proposições essencialistas sobre os gêneros; a ótica está dirigida para um processo, para uma construção, e não para algo que exista a priori. O conceito passa a exigir que se pense de modo plural, acentuando que os projetos e as representações sobre mulheres e homens são diversos. Observa-se, ainda, que as concepções de gênero diferem não apenas entre as sociedades ou os momentos históricos, mas no interior de uma dada sociedade, ao se considerar os diversos grupos (étnicos, religiosos, raciais, de classe, etc.) que a constituem.
A proposta é, então, entender o gênero como constituinte da identidade dos sujeitos, fazendo parte do sujeito, constituindo-o. Sujeitos que possuem identidades plurais, múltiplas; identidades que se transformam, que não são fixas ou permanentes, que podem, até mesmo, ser contraditórias. Nessa perspectiva, admite-se que as diferentes instituições e práticas sociais são constituídas pelos gêneros e são, também, constituintes dos gêneros. Estas práticas e instituições "fabricam" os sujeitos.
Antes de avançarmos, no entanto, talvez seja importante tentar estabelecer algumas distinções entre gênero e sexualidade, ou entre identidades de gênero e identidades sexuais. Se Michel Foucault foi capaz de traçar uma História da Sexualidade (2007), isso ocorreu pelo fato de compreendê-la como uma “invenção social”, ou seja, por entender que ela se constitui a partir de múltiplos discursos sobre o sexo: discursos que regulam, que normalizam, que instauram saberes, que produzem "verdades".

[...] a sexualidade é o nome que se pode dar a um dispositivo histórico: não à realidade subterrânea que se apreende com dificuldade, mas à grande rede da superfície em que a estimulação dos corpos, a intensificação dos prazeres, a incitação ao discurso, a formação dos conhecimentos, o reforço dos controles e das resistências, encadeiam-se uns aos outros, segundo algumas grandes estratégias de saber e de poder. (FOUCAULT, 2007, p. 100)
As identidades sexuais se constituiriam, pois, através das formas como os sujeitos vivem sua sexualidade, seja com parceiros/as do mesmo sexo, do sexo oposto, de ambos os sexos ou sem parceiros/as. Por outro lado, os sujeitos também se identificam, social e historicamente, como masculinos ou femininos e assim constroem suas identidades de gênero. O que importa aqui considerar é que – tanto na dinâmica do gênero como na dinâmica da sexualidade – as identidades são sempre construídas, elas não são dadas ou acabadas num determinado momento, e estando sempre se constituindo, elas são instáveis e, portanto, passíveis de transformação.

Nenhuma identidade sexual — mesmo a mais normativa — é automática, autêntica, facilmente assumida; nenhuma identidade sexual existe sem negociação ou construção. Não existe, de um lado, uma identidade heterossexual lá fora, pronta, acabada, esperando para ser assumida e, de outro, uma identidade homossexual instável, que deve se virar sozinha. Em vez disso, toda identidade sexual é um constructo instável, mutável e volátil, uma relação social contraditória e não finalizada (BRITZMAN, 1996, p. 74, grifos da autora).
É possível pensar as identidades de gênero de modo semelhante: elas também estão continuamente se construindo e se transformando. Em suas relações sociais, atravessadas por diferentes discursos, símbolos, representações e práticas, os sujeitos vão se construindo como masculinos ou femininos, arranjando e desarranjando seus lugares sociais, suas disposições, suas formas de ser e de estar no mundo. Essas construções e esses arranjos são sempre transitórios, transformando-se não apenas ao longo do tempo, historicamente, como também se transformando na articulação com as histórias pessoais, as identidades sexuais, étnicas, de raça, de classe ...
Logo, homens e mulheres certamente não são construídos apenas através de mecanismos de repressão ou censura, eles e elas se fazem, também, através de práticas e relações que instituem gestos, modos de ser e de estar no mundo, formas de falar e de agir, condutas e posturas apropriadas (e, usualmente, diversas). Os gêneros se produzem, portanto, nas e pelas relações de poder.
No contexto do referencial teórico pós-estruturalista, fica extremamente problemático aceitar que um pólo tem o poder – estavelmente – e outro, não. Em vez disso, deve-se supor que o poder é exercido pelos sujeitos e que tem efeitos sobre suas ações. Torna-se central pensar no exercício do poder; exercício que se constitui por “manobras”, “técnicas”, “disposições”, as quais são, por sua vez, resistidas e contestadas, respondidas, absorvidas, aceitas ou transformadas. E importante notar que, na concepção de foucaultiana, o exercício do poder sempre se dá entre sujeitos que são capazes de resistir, pois, caso contrário, o que se verifica, segundo ele, é uma relação de violência.
De fato, Foucault (2008) acrescenta que se deve buscar observar o poder como uma rede de relações sempre tensas, sempre em atividade. Afinal, homens e mulheres, através das mais diferentes práticas sociais, constituem relações em constante negociação com avanços, recuos, consentimentos, revoltas, alianças. Portanto, o poder produz sujeitos, fabrica corpos dóceis, induz comportamentos.
Assim, quando afirmamos que as identidades de gênero e as identidades sexuais se constroem em relação, queremos significar algo distinto e mais complexo do que uma oposição entre dois pólos (masculino/feminino, heterossexualidade/homossexualidade); pretendemos dizer que as várias formas de sexualidade e de gênero são interdependentes, ou seja, afetam umas às outras.

Referências Bibliográficas

BRITZMANN, Déborah. O que é essa coisa chamada amor. Identidade homossexual, educação e currículo. Educação & Realidade, v. 21, n. 1, p. 71-96, jan./jul. 1996.
CONNELL, Robert W. Políticas da Masculinidade. Educação & Realidade, Porto Alegre, v. 20, n. 2, p. 185-206, jul./dez. 1995.
FOUCAULT, Michel. História da sexualidade I: A vontade de saber. 18º ed. Rio de Janeiro: Edições Graal, 2007.
______. Microfísica do Poder. 25a ed. Rio de Janeiro: Graal, 2008b.
LOURO, Guacira Lopes. Gênero, sexualidade e educação. Uma perspectiva pós-estruturalista. Petrópolis: Vozes, 1997.

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Bioarte - Estéticas de Corpos Mutantes / Edvaldo Souza Couto [1] Silvana Vilodre Goellner [2]

RESUMO: O artigo analisa a construção social do corpo contemporâneo por meio de obras de três artistas: o australino Stelarc, a francesa Orlan e o anatomista alemão Gunther von Hagens. Discute como a body art e a bioarte promovem a crescente simbiose entre a carne e a técnica, o orgânico e o inorgânico. Enfatiza que nas sociedades ocidentais novas configurações corporais invadem o cenário urbano, evidenciando quão tênue são as fronteiras entre a natureza e o tecnológico potencializado. As produções destes artistas estudados nos revelam que somos cada vez mais mutantes, híbridos, cuja estética inquieta e fascina ao colocar em evidência outras formas de pensar o humano e o tecnológico em cada um de nós mesmos. Vivemos a era das metamorfoses físicas e mentais aceleradas por meio das cirurgias, implantações e transplantações de próteses no humano. Essa parece ser a verdadeira revolução do presente: colonizar e modificar todo o corpo com as tecnologias médicas e cibernéticas. O resultado é a progressiva valorização das formas provisórias, da incompletude corporal. Estar sempre aberto a novas modificações passa a ser a condição para a promoção da beleza, da juventude e da longevidade perseguidas a todo custo. O artigo conclui, em acordo com esses artistas, que agora o corpo, vivo ou morto, nada mais é que uma performance e que cada um deve se aperfeiçoar sempre em cena.

PALAVRAS-CHAVE: Bioarte. Estética. Corpo. Tecnologias. Stelar. Orlan. Hagens.

As artes no corpo e as artes do corpo integram a construção do humano. Transpassam tempos e culturas, movimentam o imaginário, fazem pulsar diferentes rituais e simbologias. Revelam o tempo onde foram elaboradas, reconstroem seus passados da mesma maneira com que projetam o futuro. Como um subgênero das performances artísticas, a body art surge no final dos anos 1960 conquistando seu apogeu nos anos 1970 ao propor a recusa do objeto de arte como um bem mercantil em favor de uma arte imaterial, da idéia, teoricamente invendável. Modelada pelo artista a partir do seu próprio corpo, era importante acentuar o desprendimento da carne, cuja performance traduzida em arte, não é passível de ser adquirida, reproduzida, tornar-se propriedade de outrem. Piercings, perfurações, cortes, suspensões, pinturas, adornos, marcas que traduzem um modo de fazer arte cuja tela é o corpo, território permeado de distintas significações. Com o desenvolvimento tecnológico, característico da sociedade contemporânea, tais intervenções foram adquirindo diferentes níveis de detalhamento e sofisticação possibilitando a emergência de exibições que ultrapassam as fronteiras da pele, adentrando o interno do corpo, seus músculos, órgãos e fluidos. Mediadas pela técnica, novas configurações corporais invadem o cenário urbano evidenciando o quão tênue são as fronteiras entre a natureza e a cultura, entre o biológico e o tecnologicamente potencializado. Seres mutantes, híbridos contemporâneos cuja estética desassossega ao mesmo tempo em que põem em ação outras formas de pensar o humano em cada um de nós.
Neste cenário emergem corpos transformados em arte, reconfigurados pela biotecnologia e pela cibernética tais como os de Sterlac e Orlan, matérias vivas a tensionarem representações convencionais de beleza, saúde, finitude e limites corporais. Corpos como os esculpidos pelo anatomista Gunther von Hagens, imagens perpetuadas de serem outrora vivos e em movimentação. Corpos que borram as fronteiras entre o orgânico e o inorgânico, expressões adensadas pela bioarte, manifestação híbrida do natural e do artifício.

Sterlac [3] e a absolescência do corpo

Uma vertente da filosofia da técnica – representada por Marshall McLuhan, desenvolvida por Paul Virilio e Jean Baudrillard e escolhida por Stelarc – diz que a tecnologia é um prolongamento do humano e supõe a reversibilidade do corpo num processo do seu próprio desaparecimento. Essa filosofia subtende que a técnica é sempre superior ao homem porque ela pressupõe que o corpo é alguma coisa de imperfeito e fraco que precisa ser construído tecnicamente perfeito e potente. Nessa tarefa de equipar tecnicamente o corpo para que ele adquira propriedades características das máquinas, como velocidade, resistência e precisão, os experimentos e as mixagens são considerados bem-vindos. As próteses e as micromáquinas devem ser implantadas no interior da pele para revitalizar a corporalidade, mostrando que o corpo nada mais é que uma embalagem para as máquinas.
Esse diálogo do homem com a tecnologia não é recente. A história humana se confunde com a história da técnica. Segundo Izagirre

[...] desde que os primeiros homínidas liberaram suas mãos para poder usá-las como instrumento, isto é, como ´interface` para comunicar seu pensamento com o processo de transformação dos objetos, começa o processo tecnológico, processo que juntamente com o aparelhamento da linguagem transformará todo o pensamento. Passamos da fase de atuar com a mão como instrumento direto, quer dizer, ´manipulando` o que está ao nosso redor, à mão cibernética teledirigida e teleprocessada. (IZAGIRRE, 1997, p. 7)
Essa evolução se revela de modo exemplar no projeto da mão robótica do artista australiano Stelarc que, ao utilizar as tecnologias próprias da medicina, da robótica e da realidade virtual, expande seus parâmetros corporais, pois entende que as máquinas, além de ampliar nossos músculos, membros, sentidos e partes do cérebro, promovem um diálogo continuo com o humano. Em pauta está a integração cada vez mais acentuada entre a exterioridade e a interioridade, orgânico e o inorgânico, o natural e o artificial. É esse processo que passa a ser encenado no corpo do artista, com o objetivo de demonstrar a condição de mesclagem do corpo com as técnicas, a progressiva naturalização dos artifícios instalados ou implantados no sujeito. O intuito é explorar os limites expressivos, sensoriais e materiais da corporalidade por meio de dispositivos tecnológicos. Para Stelarc, o importante é destacar o quanto o ritmo das máquinas condiciona e estetiza o funcionamento de músculos, membros e ondas cerebrais.
Ao adotar esse fundamento teórico para o seu trabalho revela sua concepção de que o corpo concebido fora das tecnologias está em desuso, é algo que não funciona mais de modo adequado às novas exigências performáticas dos tempos atuais. Tornou-se, portanto, obsoleto! Sterlac defende que o corpo deve irromper e transgredir os seus limites biológicos, culturais e planetários. É hora de se perguntar se um corpo bípede, que respira, com visão binocular e um cérebro de 1.400cm3 é uma forma biológica adequada. Ele não pode dar conta da quantidade, complexidade e qualidade de informação que acumulou; é ilimitado pela precisão, velocidade e poder da tecnologia e está biologicamente mal-equipado para se defrontar com seu novo ambiente extraterrestre. O corpo é uma estrutura nem muito eficiente, nem muito durável; sua performance é determinada pela idade. É suscetível a doenças e está fadado a uma morte certa e iminente. Seus parâmetros de sobrevivência são muito limitados – o corpo pode sobreviver somente semanas sem comida, dias sem água e minutos sem oxigênio. A ausência de projeto modular do corpo e de seu sistema imunológico que reage exageradamente dificulta a substituição de órgãos defeituosos. Considerar o corpo obsoleto em forma e função pode ser o auge da tolice tecnológica, mas mesmo assim ele pode ser a maior das realizações humanas. (STELARC, 1997, p. 54).
É a presença da máquina que pode agora devolver algum sentido ao corpo, garantir a sua funcionabilidade. Como a tecnologia é cada vez mais miniaturizada e biocompatível, ela pousa sobre o corpo, nele é implantada fazendo com que a dinâmica corporal seja cada vez mais determinada pela presença das máquinas. O artista está convencido de que a estrutura fisiológica do corpo determina a sua inteligência e as suas sensações. Razão pela qual faz uso da tecnociência para modificar essa estrutura criando, assim, uma percepção alterada da realidade corporal. Por meio de sua estética protética extrapola e busca novas trajetórias corporais. Como um escultor genético, reestrutura e hipersensibiliza o corpo humano tornando-se mais do que um artista performático: Sterlac é um arquiteto dos espaços interiores do corpo, um provocador de mutações, exemplar transformador da paisagem do humano.
Assim o faz em escultura no estômago. Nesta performance o artista projeta uma escultura para ser engolida e alojada em seu próprio estômago dilatado. O espaço interno do corpo agora abriga técnica e arte e o estômago deixa de ser apenas um órgão com funções digestivas para tornar-se, também, um ambiente estético.
A Tecnologia invade o corpo e funciona dentro dele não como um substituto protéico, mas como um ornamento estético. A estrutura está comprimida dentro de uma cápsula de 50mm X 14mm e amarrada à sua caixa de controle; ela é engolida e introduzida no estômago. O estômago é inflado com ar, usando um endoscópio. Um painel de circuitos lógicos e um servomotor abre a escultura e a estende, usando um cabo flexível e extensível, até a dimensão de 80mm x 50mm. Uma campainha piezelétrica toca em sincronia com uma lâmpada que pisca dentro do estômago. A escultura é uma extensão/retração, que emite sons e é auto-iluminada. (Ela é fabricada usando-se metais para implante, como titânio, aço inoxidável, prata e ouro). A escultura retrai-se para dentro de sua cápsula a ser removida. Como um corpo, não se observa mais a arte, não se age mais como arte, mas se contém arte. O corpo oco torna-se hospedeirto, não para um eu ou uma alma, mas simplesmente para uma escultura (STELARC, 1997, p. 57).
Para Stelarc, estamos no fim da filosofia e da fisiologia humanas e o homem não é mais definido pelo natural nem pelo animal, mas pela tecnologia, onde o pós-humano se define pela fisiologia biotécnica. Por isso, ele se posiciona em cena como uma parte da própria máquina. Para estender as capacidades corporais pluga seu corpo nos computadores, acopla em seu braço um outro braço mecânico, uma mão robótica, instala seus olhos laser, utiliza sistemas sonoros, e o seu corpo passa a funcionar de acordo com o ritmo das máquinas. Ele encarna o híbrido homem-máquina no qual estamos todos nos tornando. O destino ciborgue que progressivamente nos seduz e acaricia. Segundo o australiano, é para tornarem-se mais compatíveis com as máquinas que os humanos estão sendo tecnicamente reprojetados. E aqui ele enfatiza o obsoletismo do modelo “psicocorpo” e a urgência do “cibercorpo”.
O psicocorpo não é nem resistente, nem confiável. Seu código genético produz um corpo que muitas vezes funciona mal e se cansa rapidamente, possibilitando apenas parâmetros tênues de sobrevivência e limitando sua longevidade. Sua química carbônica gera emoções superadas. O psicocorpo é esquizofrênico. O CIBERCORPO não é um sujeito, mas um objeto – não um objeto de inveja, mas um objeto para a engenharia. O cibercorpo fica eriçado com eletrodos e antenas, ampliando suas capacidades e projetando sua presença para locais remotos e para dentro de espaços virtuais. O cibercorpo torna-se um sistema estendido – não para meramente sustentar um eu, mas para intensificar operações e iniciar sistemas inteligentes alternados (STELARC, 1997, p. 59).
O híbrido homem-máquina, para Stelarc, produz uma nova concepção de corpo e de movimento. Em suas performances ele procura aliar a experiência física intensificada pelo uso das próteses com a expressão artística; no caso, a dança. A performance Substance (1990) mostra que é possível entrecruzar quatro movimentos: o improvisado pelo corpo; o da mão robotizada, controlada por sinais dos músculos do estômago e das pernas; o programado, do braço artificial; e, por fim, o do braço esquerdo que reage independente da sua vontade, por intermédio das descargas da corrente elétrica que por ele passa. Essas experiências estendem e aumentam o corpo, visual e acusticamente. Esses experimentos remetem à performance Corpo amplificado, olhos laser e terceira mão, que começou a ser criada em 1986.
Os processos do corpo amplificado incluem ondas do cérebro (EGG), músculo (EMG), pulsação (PLETHYSMOGRAM) e fluxo sanguíneo (DOPPLER FLOW METER). Outros transdutores e sensores monitoram o movimento dos membros e indicam a postura do corpo. O campo sonoro é configurado por zumbidos, trinados, cliques, baques, bipes – de sinais disparados randômicos, repetitivos e rítmicos. A mão artificial, presa ao braço direito como uma adição e não uma substituição protética, é capaz de executar movimentos independentes, sendo ativada por sinais de EMG dos músculos abdominais e da perna. Ela tem um mecanismo para abrir e fechar a mão; o pulso pode girar 290 graus nos dois sentidos e um sistema de feedback táctil para um ´sentido de tato´ rudimentar. Enquanto o corpo ativa seu manipulador suplementar (a terceira mão), o braço esquerdo real é controlado a distância – posto em ação por dois estimuladores musculares. Eletrodos colocados nos músculos flexores e bíceps fazem com que os dedos se curvem, os pulsos se dobrem e o braço suba. O acionador do movimento do braço regula o ritmo da performance, e os sinais do estimulador são utilizados como fontes sonoras, assim como o som do motor do mecanismo da terceira mão. O corpo se move numa instalação luminosa estruturada e interativa que pisca e brilha, respondendo a reagindo às descargas elétricas do corpo – às vezes sincronizadas, às vezes se contrapondo. A luz não é tratada como uma iluminação externa ao corpo, mas como uma manifestação dos ritmos do corpo. A performance é uma coreografia de movimentos controlados, restritos e involuntários – de ritmos internos e gestos externos. É uma interação do controle fisiológico com a modulação eletrônica. Das funções humanas com a ampliação da máquina (STELARC, 1997, p. 56).
Desse modo, ao questionar sobre o design do corpo humano, Stelarc se mostra convencido do quanto ele está defasado. Na atualidade, as tecnologias são mais pulsantes que o organismo. Por isso, ele procura acentuar a perda e o desaparecimento do corpo considerado mais natural, ao mesmo tempo em que aponta a necessidade urgente de se construir a corporalidade por meio das micromáquinas. Essa nova cartografia revela que o corpo vive seus últimos ensaios antes da estréia da evolução pós-humana, seu mais recente destino. A evolução pós-humana é a programada, controlada, expandida e continuamente atualizada por meio de próteses e softwares de alta tecnologia. Quando as nanotecnologias biocompatíveis invadem e redesenham o corpo, está em andamento uma nova espécie singular. Nesse estágio, em pleno desenvolvimento e realização, torna-se cada vez mais difícil distinguir o que é prótese no humano e o que é carne na máquina. Interligado a vários objetos técnicos, Stelarc atua como um elemento de passagem elétrica de uma para outra máquina. Seu corpo, uma resistência, sobrevive, reage, se movimenta por meio das correntes elétricas. A máquina lhe dá choques, literalmente, e devido a eles seu corpo se movimenta. Seus movimentos, por sua vez, de maneira reflexa, vão passar através dele e afetar outra máquina. Ele próprio é uma máquina. É coerente com Stelarc deixar-se queimar pela corrente que a máquina descarrega, ativa e potencializa em seu corpo. Sem essa tecnologia, sem essa relação fusional, é impossível para o artista tomar consciência de si mesmo, da sua corporalidade.
Revela-se, na arte de Sterlac, a revolução das transplantações das próteses no humano da qual fala Virilio (1992, pp. 31-33). Depois de ter colonizado a natureza e todos os espaços, agora é a vez de se colonizar, por meio das tecnologias, a própria corporalidade. Para que o corpo funcione sempre, mostre ininterruptamente a sua vitalidade, precisa se confundir com as máquinas. Ele deve ser esvaziado de todas as suas vísceras inúteis para poder ser um melhor receptáculo para as tecnologias.

Orlan [4] e a performance cirúrgica de uma estética da transformação

Orlan desenvolve sua arte baseada na crença de que o corpo sempre foi mutável, o que não significa afirmar que se deva esperar que a lentidão da natureza o transforme. As técnicas médicas, especialmente, as cirurgias estéticas, permitem a aceleração deste processo onde as mutações corporais podem ser realizadas e visualizadas em tempos cada vez menores. Para a artista, a sala cirúrgica é o espaço mais emblemático para retratar as políticas tecnológicas do corpo contemporâneo: local que atesta nossa incompletude ao mesmo tempo em que promove sua mutação em prol da beleza, perfeição e juventude. É nesse cenário que a obra de Orlan ganha especial destaque. Ao metamorfosear-se, através do uso de apuradas técnicas cirúrgicas, revela o quanto a sociedade contemporânea, mediatizada pelos avanços tecnocientíficos, incita os sujeitos a recriarem constantemente seus corpos recorrendo a intervenções diversas tais como a lipoaspiração, implante de silicone, cirurgia plástica, acoplagem de próteses, etc.
Para Orlan é importante utilizar a sua matéria orgânica como material principal de suas intervenções artísticas: “Dei meu corpo para a arte”, ela diz. Cortar, abrir, cutucar, implantar, fechar, costurar e cicatrizar partes do corpo são atos performáticos. Enquanto muitos exibem uma nova imagem corporal após uma intervenção cirúrgica, Orlan exibe a operação como arte. Mais importante que o corpo reconfigurado pelas plásticas é o momento em que a transformação acontece.
Em Orlan, como escreve Dery,

[...] cada operação constitui uma performance: a paciente, o cirurgião e as enfermeiras usam trajes de alta costura, desenhados em alguns casos por Paco Rabanne, e a sala de operações está adornada com um crucifixo, frutas de plásticos e enormes painéis com os nomes dos patrocinadores da cirurgia, no mesmo estilo kitsch dos letreiros de cinema dos anos cinqüenta. O comportamento de Orlan, que se encontra somente sob o efeito de anestesia local, se parece mais o de uma diretora de cinema do que de uma paciente; durante uma operação em Nova York, em 1993, leu fragmentos de um livro de psicanálise e se comunicou por telefone e fax com milhares de espectadores do mundo inteiro que acompanhavam a cirurgia ao vivo, via satélite. (DERY, 1998, p. 183)
A artista serve-se de sua corporalidade como uma espécie de encontro entre a performance metamorfósica e bodybuilding que denomina carnal art para diferenciá-la da body art. O culto ao corpo e a construção física da suposta perfeição, se converteu num fato habitual em nossa época. A arte de Orlan ressignifica essa representação, pois evidencia que não basta apenas aperfeiçoar o corpo: há que modificá-lo!
A carnal art – embora inserida no que se denomina de body art – torna-se pertinente para este tipo de intervenção. Refere-se a um trabalho de auto-retrato em sentido clássico, mas realizados com os meios tecnológicos característicos do nosso tempo onde o corpo oscila entre a desfiguração e a reconfiguração. O corpo é entendido, então, como uma realidade a ser modificada e, ao contrário da body art, a carnal art não deseja a dor, não é uma forma de purificação nem mesmo de redenção. Ela não se interessa pelo resultado plástico final, mas pela operação-performance da qual resulta um corpo modificado, objeto de debate público e, por essa razão, exibido na mídia. Para Orlan, não faz mais sentido representar o corpo, é necessário mudá-lo.
Pode parecer estranho que uma expressão artística vinculada à necessidade de intervenções cirúrgicas no corpo não deseja a dor. Mas de fato é assim. Num momento de uma operação, desperta, Orlan declarou ao seu público: “Sinto faze-los sofrer, mas lembrem-se, eu não sofro nada. Só sofro como vocês: quando vejo as imagens” (1995).
Para a performance A obra mestra absoluta: a reencarnação de Santa Orlan, a artista se submeteu a sete operações. Primeiramente em um computador, remodelou a imagem do seu rosto em busca da beleza ideal renascentista. Com a imagem considerada perfeita, convocou equipes de cirurgiões que lhe modificariam o rosto em busca das formas ideais resultantes da seguinte mixagem: “A testa da Mona Lisa, de Leonardo; os olhos de Psique, do escultor e pintor francês Gerone; o nariz de Diana, atribuída à Escola de Fontainebleau; a boca de Europa, de Boucher e, por último, o queixo da Vênus de Botticelli”. (GUTIÉRREZ, 1997, p. 37)

A obra prima absoluta: a reencarnação da santa Orlan

Após as cirurgias o rosto da artista passa a ser uma síntese da história da pintura. Uma síntese que inclui o sangue, o glamour e a imagem popular excêntrica de Orlan. Tudo isso inserido num contexto publicitário e midiático. Mas não é apenas isso. Sua pele se converte numa fronteira entre o passado e o futuro, o privado e o público, o interior e o exterior, o corpo e a técnica, o pensamento e a ação, a arte e a vida. Em seu corpo, todas essas referências se confundem. Seu trabalho tem claramente três etapas. Primeira: desenha seu novo rosto no computador; segunda: materializa-o por meio de cirurgias plásticas; terceira: transmite as operações diretamente de galerias, museus e hospitais, via satélite, pela internet.
A artista afirma que não transforma seu rosto e o seu corpo para ficar mais jovem ou mais bela. O que interessa não é a juventude ou a encarnação efêmera de um determinado cânone de beleza, mas a mutação física que esses modelos vão lhe proporcionar. O que deseja é uma mudança completa da imagem do corpo como potência de atualização. Ela explica por que escolheu essas referências:

Vou escolher esses modelos não pelos cânones de beleza que se supõe que representam, mas por causa das histórias que estão associadas a elas. Escolho Diana porque se recusa a submeter-se aos deuses ou aos homens, é altiva e agressiva, dirige um grupo; a Mona Lisa porque é uma luz da História da Arte, um ponto de referência, não porque seja bela segundo os critérios de beleza contemporâneos, mas porque detrás dessa mulher existe um homem que hoje sabemos ser o próprio Leonardo Da Vinci, um auto-retrato escondido na imagem da Mona Lisa (o que nos desperta a questão da identidade). Não quero parecer-me a Vênus de Botticelli. Não quero parecer-me a Europa de Gustavo Moreau (não é meu pintor favorito). Escolhi Europa porque é parte de um quadro inacabado, como é a maioria! Não quero parecer-me a Diana do quadro da Escola de Fontainebleau. Não quero parecer-me a Mona Lisa... como se disse e se continua dizendo nos jornais e na televisão apesar dos meus múltiplos desmentidos e furiosas correções (ORLAN apud LÓPEZ, 1998, pp. 34-35).
Concluído um percurso, realizada uma performance, a artista parte para uma outra. Assim, é possível ter várias versões de corpo, uma configuração nova para cada trabalho. Lopéz descreve outra performance de Orlan:

A sétima performance desta série aconteceu em Nova Iorque, em 1993, baseada no conceito de onipresença e realizada pelo doutor Marjorie Cramer; foi difundida via satélite da galeria Sandra Gehring, de Nova Iorque ao Centro Pompidou, de Paris, ao McLuhan Center, de Toronto, e outra dezena de lugares em contato interativo que permitia aos espectadores de todos os países intervir na operação com seus comentários e perguntas que a própria Orlan respondia quando o momento cirúrgico lhe permitia. Entre outras intenções, queria tornar público e transparente um ato tão íntimo como uma cirurgia. Na galeria promotora da obra foram instalados quarenta e um painéis correspondentes aos quarenta dias de exposição e de recuperação pós-operatória, mais um que exibia a fotografia do “corpo-projeto-partida”. A cada dia essa foto de partida era exibida ao lado da “artista-obra” tal como estava naquele dia: primeiro totalmente vendada, depois com hematomas de todas as cores que lhe iam aparecendo e, ao final, o resultado: a foto do último dia.. E a instalação estava completa. (LOPÉZ, 1998, p. 35)
Em 1996 a artista apresentou outra “obra” intitulada Este é o meu corpo, este é o meu software, onde fez desaparecer o seu corpo. Criou uma cabeça virtual, sem corpo, que falava com a Orlan real e com o público. Para ela, o corpo real estava obsoleto, por isso podia desaparecer. Tudo o que resta é o corpo cultural, criada pela arte, ciência e tecnologia.
Para Orlan, recriar o corpo por meio das tecnologias médicas avançadas é uma maneira de lutar contra o que é inato, o inexorável, a natureza. Interferir no corpo é blasfemar contra o que é imposto à humanidade. Seu trabalho realça a condição do corpo como uma opção do modelo corporal escolhido pelo sujeito. Afinal, as manipulações genéticas e as cirurgias plásticas estão se tornando comum para um número cada vez maior de pessoas, ultrapassando a exibição dos corpos espetacularizados pela mídia: compõem desejos e sonhos de milhares de pessoas que vivem no anonimato das cidades.
As intervenções cirúrgicas de Orlan revolucionam o estudo do corpo na sociedade tecnológica. Primeiro, nega-o como signo da identidade, depois, transforma o corpo passivo, que padece, em ativo, que atua; por fim, questiona os limites entre ciência e arte. Em todo momento interroga o que é a natureza hoje e demonstra que a natureza também é um produto da técnica. Lançando mão de anestesias, micro-cirurgias e analgésicos, a artista dessacraliza a cirurgia plástica, e a revela como técnica exemplar da mutação corporal e artística.

Gunther von Hagens: Uma estética para corpos mortos

Corpos mortos exibidos em museus. Corpos perpetuados pelo anatomista alemão Gunther von Hagens[5] cuja exibição esbarra nos limites entre a arte e o puro espetáculo que muitos consideram mórbido, uma espécie de versão contemporânea do gabinete de monstruosidades. Utilizando-se de uma técnica que denomina de plastination, Hagens, substitui os líquidos e os tecidos molhados do organismo por matérias artificiais, como borracha de silicone, resina de epóxi e poliéster, em procedimento especial de vácuo, permitindo a preservação quase que absoluta das aparências dos tecidos do corpo humano, como seus músculos, ossos e veias bem definidos. O resultado é que as células e também os relevos das superfícies ficam inalterados, mesmo a nível microscópio. Assim, o visitante pode ver detalhes e o interior da pele através da complexidade tridimensional do corpo. Em 2002, num teatro londrino, o médico dissecou um cadáver para uma seleta platéia que disputou ferozmente cada ingresso. Com o intuito declarado de revelar a beleza do corpo humano após o término da vida, Hagens diz se inspirar em certos exemplos famosos na própria história da arte. Uma de suas referências é Leonardo da Vinci, que usou cadáveres como modelo para seus desenhos anatômicos, além de Rembrandt, que em 1632, apresentou o professor de anatomia no quadro A aula de anatomia do Dr. Tulp, em pleno processo de dissecação pública de um cadáver, cercado de amigos e atentos curiosos. Aliás, a sua performance lembra o trabalho de Rembrandt até mesmo pelo uso de certas peças indumentárias, como o chapéu preto e o colete de Beuys.
As obras de Hagens, em que pesem todas as polêmicas que as cercam, são extremamente perturbadoras. Não apenas porque perpetuam anatomias decompostas, mas porque parecem levar às últimas conseqüências um processo de dessacralização dos corpos humanos, tão em voga no nosso tempo quando milhares de pessoas tentaram e tentam liberar seus corpos de antigos vínculos religiosos, geográficos, temporais, morais e, mais recentemente, genéticos. Não se trata essencialmente de um mero prazer ou curiosidade pelo mórbido nem atração pela morte. Pela ciência ou pela arte, o que parece reivindicado é o direito de conhecer os corpos por dentro, de não se contentar com a pele, de revirar e revelar todos os segredos. Romper fronteiras, superar limites, deixar o corpo transparente, sem zonas de sombras ou invisibilidade.
Com isso, o estatuto do corpo passa da exclusão para a completa exibição. Se durante muitos séculos, sob o domínio de uma determinada tradição filosófica-religiosa o corpo sofreu todo tipo de exclusão, tinha que ser preservado, inviolado pela ciência e pelas técnicas; nas últimas décadas passou a ser objeto de culto, reconhecido como espetáculo magnífico, protagonista de um total e radical exibicionismo, nas ciências, nas artes e, principalmente, na mídia. O conhecimento do corpo coincide cada vez mais com a exibição do corpo, ainda que sem vida e a arte de Hagens mostra que o corpo morto continua performático, cultuado, negociado e, sobretudo, ininterruptamente exibido. Se o corpo vivo de muitos artistas pôde ser visto como obra de arte, agora o corpo morto também ganha o mesmo estatuto. Expor cadáveres plastinados pode ser chocante, indecente ou vil para muitas pessoas; uma estupidez ou uma banalidade. Também pode ser educativo e mesmo artístico. Na verdade, tudo se tornou possibilidade e, no reino das possibilidades, tudo poder ser, pode vir-a-ser, pode deixar de ser. O corpo, vivo ou morto, é performance, mídia, acontecimento.

Ciência e tecnologia: reconfiguração das artes e dos corpos

A completa e complexa exibição do corpo não se desenvolve sem uma intensa exploração comercial das imagens e dos próprios organismos. Nesse campo estão inseridos artistas que dizem doar o seu corpo para a arte, pois ao produzirem suas obras e performances retratam muitas das interferências técnico-científicas sob a pele. Artistas como Stelarc e Orlan cujos corpos são convertidos, eles mesmos, em objetos de arte. Artistas como Gunther von Hagens que ao esculpir corpos alheios dessacraliza-os conferindo visibilidade ao que, comumente reside nas sombras da putrefação.
Não se desenvolve também sem uma minuciosa intervenção técnica e científica cujo aprimoramento torna possível a exibição desses corpos camaleônicos, protagonistas de uma forma de fazer arte que se encarrega de mostrá-los em seus diversos processos de transformação. Na atual circulação sideral de corpos e imagens corporais estas artes revelam que os corpos vivos ou mortos adentram o mercado da arte: são cuidados, embelezados, maquiados, reconstruídos, exibidos e comercializados seja sob a forma de pagamento de ingressos e do consumo direto de imagens reais, seja da venda de souvenirs, catálogos, postais, camisetas, vídeos e relicários. Denúncia social, apogeu performático, eliminação das diferenças entre o corpo orgânico e o corpo artístico, escaneamento e virtualização dos organismos essas experiências artísticas nos dizem que é preciso, a todo o momento, reinventar e visibilizar o corpo. Torná-lo performático e fotogênico, não apenas o seu exterior, mas igualmente no interno de sua pele. Tudo deve ser mostrado, visto, comercializado e cultuado. Assim, as fronteiras do corpo são progressivamente vencidas e ultrapassadas tanto na ciência e na técnica, quanto na arte. O que não quer dizer que os mistérios são completamente revelados. Sempre que algumas fronteiras são vencidas outras tantas aparecem, novos mistérios nos seduzem. E o corpo continua fonte de crescentes e incansáveis buscas e decifrações.

Referências Bibliográficas

DERY, Mark. Velocidad de escape. La cibercultura em el final del siglo. Madrid: Edições Siruela, 1998.
GUTIÉRREZ, L. C., (1997) “Vídeo-Culturas y Ciber-Culturas: Profanado la pantalla, nuestra mente e nuestros cuerpos”. En . Rekalde, J. et all .Lo tecnológico em la arte. De la cultura vídeo a la cultura ciborg. Barcelona:Vírus Editorial, pp. 25-41.
HAGENS, Gunther von. Body worlds. The anatomical exhibition of real human bodies. Catalogue on the exibition. Heidelberg: Institut for plastination, 2002.
IZAGIRRE, J. R., “Anotaciones em los margenes de um arte cibernético”. En Rekalde, J. et all.Lo tecnológico em la arte. De la cultura vídeo a la cultura ciborg. Barcelona:Vírus Editorial, pp. 07-23.
LOPÉZ, Esther Moreno. Tu cuerpo es um campo de batalha? Feminismo y política ciborg. Espanha: Universidade Zaragosa, 1998.
ORLAN. Seduced and Abandoned. Women´s Art Magazine, 64, (1995)
STELARC. (1997) “Das estratégias psicológicas às ciberestratégias: a protética, a robótica e a existência remota”. Em Domingues, Diana (org). A arte no século XXI. A humanização das tecnologias. São Paulo: Unesp, pp. 52-62.
VIRILIO, P. Rat de laboratoire. Propôs recueillis par Jean-Yves et Alain Kruger. L´autre Jornal, 27, (1992): 09-14.

NOTAS
[1] Professor do Departamento de Filosofia da Universidade Federal da Bahia. Participa do grupo de pesquisa Educação, Comunicação e Tecnologias (FACED) ambos na UFBA. Atua nos Programas de Pós-Graduação em Filosofia e em Educação da UFBA e tem diversos trabalhos publicados nas áreas de Filosofia, Comunicação, Educação e Artes. Organizou o livro Corpos Mutantes: ensaios sobre novas (d)eficiências corporais, publicado pela Editora da UFRGS, 2006.
[2] Professora da Escola de Educação Física da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Coordenadora do Grupo de Estudos sobre Cultura e Corpo (GRECCO – ESEF/UFRGS). Atua no Programa de Pós-Graduação em Ciências do Movimento Humano da UFRGS e tem diversos trabalhos publicados nas áreas de Educação e Educação Física. Organizou o livro Corpos Mutantes: ensaios sobre novas (d)eficiências corporais, publicado pela Editora da UFRGS, 2006.
[3] Artista australiano que, desde os anos 70, tem realizado diversas performances corporais. Mais informações em http://www.stelarc.va.com.au/photos/index.html
[4] Orlan é artista e professora-pesquisadora da Escola de Belas Artes de Dijon, França, desde 1990.
[5] Denominada Body Worlds ou Mundos do corpo – Fascinação das superfícies a exposição iniciou no Japão em 1996 e já foi vista por mais de 14 milhões de pessoas, em oito países. Conjunto que inclui uma mulher grávida de oito meses com o feto aparecendo em seu útero; um homem montado num cavalo, segurando seu próprio cérebro em uma das mãos; um mestre de esgrima, em posição de luta, com espada na mão; um ginasta pendurado em aros; um arremessador de dardo (www.bodywords.com).

Do amor (ou de como glamourizar a vida): apontamentos em torno de uma educação para a sexualidade - Jane Felipe

RESUMO: Este artigo pretende discutir algumas representações de amor romântico e suas interfaces na construção de gênero e da sexualidade, a partir da abordagem teórica dos Estudos Feministas e dos Estudos Culturais, numa perspectiva pós-estruturalista de análise. O modo como os sujeitos escolhem suas parcerias afetivo-sexuais, as conjugalidades estabelecidas a partir de então, bem como os comportamentos daí advindos – sentimentos de posse, ciúme, pactos de fidelidade, juramentos de amor eterno, etc - merecem ser examinados com mais atenção pelas feministas, uma vez que tais temas estão centralmente marcados pelas relações de poder entre os sexos, envolvendo questões sociais, históricas e culturais. O presente artigo objetiva ainda acionar algumas discussões possíveis no campo da educação sexual na escola, uma vez que esta, especialmente após o advento da AIDS, tem discutido a sexualidade, em geral pelo viés do medo (da doença e da morte), veiculando, muitas vezes, um certo pânico moral, em nome de uma política da prevenção. Considero importante que as discussões sobre corpos, gêneros e sexualidades no campo da educação possam ir além das preocupações mais imediatas das políticas de prevenção.

PALAVRAS-CHAVE: amor, gênero, sexualidade, educação sexual.


Representações de amor romântico: considerações iniciais

“Ah, minha bem amada,
quero fazer de um juramento uma canção
Eu prometo, por toda a minha vida
Ser somente teu
e amar-te como nunca
ninguém jamais amou, ninguém
Ah, minha bem amada
Estrela pura parecida
Eu te amo e te proclamo o meu amor,
o meu amor
Maior que tudo quanto existe,
Ah, meu amor”.
(Tom Jobim e Vinícius de Moraes)


Pactos, juramentos, ilusões de completude e eternidade têm permeado as representações de amor romântico ao longo dos tempos. A música que introduz esse artigo, intitulada Por toda a minha vida (exaltação ao amor), de Tom e Vinícius, exalta, de forma contundente, o sentimento de amor como uma experiência profunda e arrebatadora. (1) No entanto, cabe lembrar que o tema do amor, da paixão e as relações afetivo-sexuais daí advindas estão presentes não só nas músicas - não importa o estilo ou a época - mas nos filmes, na literatura, na poesia, nas novelas, na arte de um modo geral. Esse tema também está presente nas rodas de conversas geralmente em forma de confissões pessoais ou através de uma disposição sempre curiosa de saber sobre a vida amorosa-afetiva-sexual das outras pessoas. Parece que estamos sempre em constante monitoramento, principalmente nesses tempos de transitoriedade das relações. Desse modo, não há como negar o quanto, ao mesmo tempo em que o amor pode ser considerado da ordem do privado, ele também está na ordem do público. Trata-se, portanto, de um tema muito presente nas nossas vidas, daí a importância de lançarmos um olhar mais atento sobre as representações acionadas em torno dele.
O conceito de representação do qual me valho está relacionado a um amplo processo de produção de significados que são veiculados através de discursos diversos. Como aponta Tomaz Tadeu da Silva (1999, p. 200), “os significados não são criados e colocados em circulação de forma individual e desinteressada – eles são produzidos e são postos em circulação através de relações sociais de poder”. Dessa forma, representar implica em designar aquilo que conta como realidade numa determinada cultura e num determinado tempo histórico, produzindo assim conhecimentos e verdades em torno daquilo que se quer representar. (2) 
Em relação ao amor e à paixão, quais as representações que têm sido visibilizadas em torno desses sentimentos? Quais as perguntas instigantes que podemos fazer em relação aos modos pelos quais temos administrado nossas relações afetivo-sexuais? De que forma o amor se tornou um importante motor para a glamourização de nossas vidas, ou seja, de que maneira ele se constituiu num poderoso sentimento que dá brilho, graça, energia à nossa existência, impulsionando-nos a dar o nosso melhor para o ser que amamos, fazendo com que nos sintamos seres tão especiais por conta disso? Em que medida podemos pensar que essas representações constituem a expectativa cultural dos relacionamentos interpelando os sujeitos, independente de seus objetos amorosos e/ou sexuais?
Jurandir Freire Costa (1998, p. 12), comenta que vivemos em uma sociedade que nos incita a pensar que “sem amor estamos amputados de nossa melhor parte. ... Nada substitui a felicidade erótica; nada traz o alento do amor-paixão romântico correspondido”.
Por outro lado, este autor chama atenção para o fato de termos, na contemporaneidade, uma descomunal máquina de reparar amores infelizes. É cada vez maior o número de “especialistas” nesse tema, advindos das mais diversas áreas do conhecimento, tais como médicos, sexólogos, psicanalistas, cognitivistas, behavioristas, religiosos, cartomantes, astrólogos, gurus e muitos outros.
Temos também uma série de livros de auto-ajuda que intencionam fazer as pessoas mais felizes em suas vidas amorosas, como aponta a pesquisa de Vera Lúcia Alves (2005). (3) No entanto, é interessante observar o quanto o gerenciamento da vida afetiva e suas inúmeras vivências estão pautadas por relações de poder, alimentando assim desigualdades entre homens e mulheres. Por outro lado, as experiências amorosas consideradas mais “verdadeiras” e “legítimas”, por isso mesmo mais valorizadas socialmente, parecem só ter sentido entre os sujeitos heterossexuais. Soma-se a isso a idéia corrente de que a maior prova de amor que se pode dar a alguém é querer se casar, viver em co-habitação com ela. Dessa forma, o casamento parece ser o coroamento do amor, em detrimento de outras modalidades de relação. (4) 
O amor é tido como algo sublime, “que tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta”, como nos ensina o texto bíblico de I Coríntios 13, versículo 7. Tal vinculação do amor-paixão-sacrifício está associada a idéia de que o amor verdadeiro jamais acaba. No entanto, talvez possamos pensar que essa representação tão idealizada do amor e por conseguinte das relações amorosas, traz consigo uma dificuldade ou mesmo uma certa prepotência de nossa parte em admitir a finitude das coisas, dos sentimentos, dos vínculos afetivos. De fato, deve ser muito difícil admitir que não seremos tão interessantes assim e por tanto tempo para alguém, da mesma forma que os outros também não o serão para nós. Por que será que ainda operamos com essa idéia de perenidade e idealização do amor?
Essas e outras questões podem ser muito produtivas no sentido de pensarmos sobre o amor, a paixão e seus desdobramentos, a saber, os modos pelos quais administramos os nossos prazeres e desejos, de que forma conduzimos nossas vivências afetivo-sexuais. Tais discussões podem ser empreendidas no contexto escolar e no âmbito da formação inicial e continuada de professores/as.

E foram mais ou menos felizes... enquanto puderam!

Há alguns anos desenvolvi uma pesquisa intitulada “E foram mais ou menos felizes... enquanto puderam: problematizando as relações de gênero e sexualidade nas escolas infantis” (FELIPE, 1998). Naquela época eu estava interessada em saber quais eram as representações de masculinidades e feminilidades contidas nos livros que tratam da sexualidade voltados para o público infantil, bem como as concepções em torno das relações afetivo-sexuais veiculados por esses artefatos culturais.
É importante lembrar que a partir da década de 80 do século XX houve um aumento considerável na produção de livros para esse público e um dos temas consagrados foi justamente a sexualidade, uma vez que o mercado editorial começou a perceber o quanto poderia ser rentável explicar às criancinhas os fatos da vida. Desta forma, tais livros traziam explicações sobre os órgãos genitais, concepção, nascimento, dentre outros assuntos. Alguns temas, porém, continuaram intocáveis, como violência/abuso sexual, homossexualidade, bissexualidade, masturbação. Analisando os livros foi possível perceber:
1) um forte apelo a um ideal de felicidade e completude na relação amorosa, com a clássica fórmula que se aproximava muito dos contos de fadas: e foram felizes para sempre (daí o título um tanto provocativo da minha pesquisa);
2) a concepção estava vinculada a um ideal de família – branca, de classe média, cristã, heterossexual - e de amor romântico, em especial por parte das mulheres (sempre apareciam corações ao lado delas e não deles, reforçando assim aquele clima de romantismo, geralmente vinculado ao feminino);
3) As explicações sobre concepção e nascimento limitavam-se a uma descrição fisiológica do corpo – suas transformações com a gravidez, por exemplo – sem problematizar as relações afetivas e suas várias possibilidades.

Outro motivo que me leva a estudar o tema do amor romântico refere-se a uma reflexão que tenho feito em relação à chamada educação sexual na escola. Nas instituições educativas, quando esse tema é trabalhado, em geral a ênfase recai no viés da doença, da morte, do medo e da moral (especialmente após o advento da AIDS). Deborah Britzman (1999, p. 85;90), por exemplo, refere que muitas vezes, as questões colocadas na escola sobre sexualidade ficam apenas no âmbito do certo ou errado, moral ou imoral, sem que sejam colocadas e discutidas profundamente. Ela afirma que

a cultura da escola faz com que respostas estáveis sejam esperadas e que o ensino de fatos seja mais importante do que a compreensão de questões íntimas. ...Quando, digamos, a educação, a sociologia, a antropologia colocam sua mão na sexualidade – a linguagem do sexo torna-se uma linguagem didática, explicativa e, portanto, dessexuada.
Nos cursos de formação inicial ou continuada de docentes, (5) em palestras, seminários ou congressos, a expectativa dos/as professores/as e alunos/as é aprender estratégias para “apagar os incêndios”, ou seja, as perguntas sempre giram em torno do como proceder para resolver situações mais imediatas: o que fazer quando o aluno se masturba? Como agir quando a criança pergunta sobre sexo? Como trabalhar a questão da sexualidade com crianças pequenas? Quais as estratégias para desenvolver esses temas em sala de aula, ou seja, quais as dinâmicas que devem ser utilizadas? Quais os livros mais recomendados para determinada faixa etária? Como administrar as resistências que muitas famílias demonstram quando o tema da sexualidade é trabalhado na escola?
Apesar de compreender as ansiedades contidas nessas perguntas que docentes e estudantes formulam na tentativa de resolver as questões mais emergentes que surgem no dia a dia da sala de aula, tenho procurado enfatizar a importância de discutirmos temáticas em torno da sexualidade de forma mais ampla, aprofundada e sistemática. Dessa forma, tenho proposto alguns temas que me parecem muito ricos para entendermos o quanto os comportamentos, no âmbito das sexualidades e das relações de gênero, são construídos histórica e socialmente, sendo a cultura um fator crucial nessa construção.
Dentre os muitos temas possíveis, destaco a construção das identidades de gênero, discutindo os modos pelos quais são acionadas as expectativas em torno das masculinidades e feminilidades em determinadas culturas. Da mesma forma, considero produtivo problematizar os investimentos feitos em torno das identidades sexuais, em especial as inúmeras tentativas de reforçar a heteronormatividade e os desdobramentos daí resultantes, tais como a homofobia, a misoginia ou mesmo a heterofobia. (6) 
Um ponto interessante em toda essa dinâmica consiste em entender de que forma os movimentos reivindicatórios feministas, bem como os movimentos de gays e lésbicas foram se constituindo nas últimas décadas, e a importância dos Estudos Queer e das políticas pós-identitárias nesse contexto. As produções de Joan Scott (1995), Guacira Lopes Louro (1997; 1999; 2004), Judith Butler (2003) e Déborah Britzman (1996; 1999), dentre outras estudiosas, são referenciais importantes para se pensar essas questões a partir de uma ótica feminista.
Outro ponto importante refere-se à história do corpo e da sexualidade, como bem demonstram as obras de Michel Foucault (1993), Thomas Laqueur (2001) e Jeffrey Weeks (1999), e o quanto, na contemporaneidade, corpos e sexualidades vêm passando por um amplo processo de espetacularização e performance, como referem Edvaldo Couto (2005) e Denise Sant’Anna (1995; 2002).
Um tema que vem ganhando grande visibilidade nos últimos tempos, principalmente após a criação do Estatuto da Criança e do Adolescente (1990) diz respeito à violência/abuso sexual nas suas mais variadas formas, tais como pedofilia, prostituição, bem como formas mais difundidas socialmente de visibilidade dos corpos infantis erotizados, aquilo que venho chamando de pedofilização como prática social contemporânea (FELIPE, 2005, 2006). Além disso, discutir a maternidade como aprisionamento (BURMAN, 1998), a paternidade e o aborto tornam-se fundamentais nos tempos atuais, especialmente quando se examinam as políticas públicas voltadas para as mulheres mães (MEYER, 2006, MEYER et alli, 2004).
Por último, dentro desse conjunto de temas, um dos mais instigantes tem sido a história do amor romântico, que pode ser estudada e amplamente referida nos escritos de Octavio Paz (1994), Jurandir Freire Costa (1998), Denis de Rougemont (2003) e Mary Del Priore (2005), (7) bem como seus desdobramentos, estreitamente imbricados com a história do casamento, da conjugalidade e da família (MCFARLANE, 1990; BÉIJIN, 1985; ÀRIES, 1985).
Cabe ainda lembrar que nos Parâmetros Curriculares Nacionais a sexualidade é considerada tema transversal, portanto, deve/pode ser discutida em todas as disciplinas, exigindo assim uma formação continuada do corpo docente. Desse modo, não só as disciplinas de ciências e biologia, mas outros campos do conhecimento como geografia, história, matemática, física, química, literatura, língua portuguesa, arte, religião, a partir de suas especificidades, poderiam contribuir significativamente para uma educação sexual mais ampla, para além dos limites restritos da prevenção. Como salienta Déborah Britzman (1999, p. 89)

O modelo de educação sexual que tenho em mente está mais próximo da experiência da leitura de livros de ficção e poesia, de ver filmes e do envolvimento em discussões surpreendentes e interessantes, pois quando nos envolvemos em atividades que desafiam nossa imaginação, que nos propiciam questões para refletir e que nos fazem chegar mais perto da indeterminação do eros e da paixão, nós sempre temos algo mais a fazer, algo mais a pensar. Nesses diversos textos, a preocupação não está em como estabilizar o conhecimento, mas em como explorar suas fissuras, suas insuficiências, suas traições e mesmo suas necessárias ilusões.

Convém lembrar que a problematização desses temas tem sido um desafio, pois eles mexem com muitas representações, sentimentos e contradições fortemente arraigadas nos discursos religiosos, científicos, jurídicos, pedagógicos, midiáticos, bem como nos demais discursos cotidianos presentes no senso comum. Minha proposta, então, é trabalhar no sentido de abalar um pouco algumas certezas tão fortemente instaladas sobre algumas dessas questões em torno da sexualidade e das relações de gênero.
Nos limites desse artigo, elegi o amor-paixão romântico como tema a ser problematizado, tentando inicialmente caracterizar, ainda que provisoriamente, aquilo que considero como sendo algumas de suas principais representações.
Seria possível desvincular amor de romantismo? Todo amor é necessariamente romântico? O que queremos dizer quando afirmamos que o romantismo faz parte do amor, ou ainda, que ele deve ser seu principal atributo? De que modo ele se constitui nas nossas vidas? De que forma lhe atribuímos sentido?

“De que é feito o amor?”

A música Dois corações, de André Sperling e Ronaldo Bastos, interpretada por Nana Caymmi, começa justamente com essa pergunta: de que é feito o amor? Obviamente os autores não conseguem responder do que exatamente o amor é feito ou como ele surge, mas descrevem o desenrolar de um sentimento que parece dar todo o sentido a nossa existência, apesar de alguns percalços. Exageros à parte, recorro à etimologia dessas palavras que compõem o cenário amoroso, para tentar compreender determinadas representações de amor/paixão que são amplamente veiculadas ao longo do tempo.

Amor – Do Latim amõrem. Afeição, carinho, simpatia (século XIII). Amorável (século XVII). Amoroso (século XIII). Desamor (século XIII).

Amar – Do Latim amare (século XIII). Amabilidade – do Latim amãbilitã-sãtis. (século XVIII). Amado – do Latim amãtus (século XIII). Amador – do Latim amãtor-õris (século XX). Amante – do Latim amãte (século XV). Amásia – do Latim amasia. (1813). Amasiado. Amasiar (1844). (8) 

Paixão – latim passio (sofrimento) – tem origem no radical latino ´pat` – que significa alterar-se emocionalmente, sofrer. O sentido de ´sofrimento` ganhou maior evidência quando foi aplicado à paixão (sofrimento) de Cristo. Só mais tarde (a partir do século XIII), a palavra foi utilizada combinada ao sentido de ´amoroso` (ou a outros sentidos além de ´sofrer`), ou seja: sentimento ou emoção levados a um alto grau de intensidade, sobrepondo-se à lucidez e à razão. No latim, para designar-se algo equivalente (mas não idêntico) ao sentido amoroso da paixão eram utilizadas outras palavras, como líbido (volúpia) ou affectus (afeição). (9) 

Romance – do latim tardio romanice, romanicus, ‘de Roma’: língua vulgar, derivada do latim, falada em certos países europeus após o declínio da dominação de Roma; enredo de coisas falsas ou inacreditáveis; fato ou episódio real, mas tão complicado que parece inacreditável; predomínio da imaginação sobre a razão; romântico: se diz do sujeito sonhador, devaneador, fantasioso, romanesco. (10) 

Para muitos poetas, escritores, filósofos, pensadores, o amor é visto como um sentimento natural, intrínseco à experiência humana, portanto, universal, vivenciado potencialmente por todos os indivíduos, independente da época ou da cultura na qual estejam inseridos. Também ele é visto como um sentimento arrebatador, que dá sentido à própria existência, levando os sujeitos que o experimentam a terem uma sensação de extrema felicidade, completude e êxtase. Há, nessa perspectiva, uma idealização e super valorização não só do próprio sentimento amoroso, mas também da pessoa que ama e do ser que é amado. No entanto, tais representações não se constituem numa unanimidade, pois para muitos, o amor é regido pela lógica da racionalidade. Jurandir Freire Costa (1998, p. 170) lembra que

A imagem do amor transgressor e livre de amarras é mais uma peça do ideário romântico destinada a ocultar a evidência de que os amantes, socialmente falando, são, na maioria, sensatos, obedientes, conformistas e conservadores. Sentimo-nos atraídos sexual e afetivamente por certas pessoas, mas raras vezes essa atração contraria os gostos ou preconceitos de classe, “raça”, religião ou posição econômico-social que limitam o rol dos que “merecem ser amados”. ...O amor é seletivo como qualquer outra emoção presente em códigos de interação e vinculação interpessoais.
Autores como Rougemont (2003), Bauman (1995) e Octavio Paz (1994) possuem uma visão bastante crítica e menos idealizada do amor, ressaltando os aspectos históricos, sociais e culturais de sua constituição. Rougemont, por exemplo, fez severas críticas ao amor romântico na literatura ocidental, que exaltava a idéia de sofrimento, infelicidade e morte. Tal concepção de amor, amplamente veiculada na literatura, teve suas origens na religião (Deus como um ser Supremo, inatingível, que deveria ser contemplado). Nessa perspectiva, o amor se assemelharia ao sentimento religioso de amor a Deus, portanto, de certa forma inacessível. Já para Octavio Paz (1994) o amor pode ser entendido como a metáfora final da sexualidade, onde o sexo seria uma espécie de componente biológico do amor, e o erotismo expressaria a dimensão humana da sexualidade, mais ligado à imaginação, à fantasia. Por outro lado, autores como Bauman (1995) pontuam a ambivalência do amor, colocando-o como incerto e inseguro. Talvez seja interessante pensar o quanto as relações amorosas são instáveis, ao contrário das inúmeras tentativas que fazemos de domá-las, confinando-as a um ideal de estabilidade – tanto do sentimento amoroso quanto da relação que se estabelece a partir daí.
Em quais circunstâncias podemos caracterizar o amor como romântico? Entendo que tal sentimento pode ser nomeado dessa forma quando regido por uma idealização que se estende aos seguintes aspectos: a idéia de intensidade (em si mesmo e no outro, para quem o amor se destina) e de verdade, a concepção de completude, de eternidade e de entrega.

Das intensidades que o amor aciona

A vivência amorosa é de tal ordem que o sujeito tem a pretensa ilusão de que nunca ninguém foi ou será capaz de sentir o amor com tamanha intensidade, força e dedicação. Nesse sentido, há aqui uma espécie de ilusão de exclusividade, na medida em que o indivíduo que experimenta o amor/a paixão tem a sensação de que só ele ama com tal profundidade, como se ninguém jamais tivesse desfrutado desse sentimento (pelo menos daquela forma). Do ponto de vista de daquele que ama ou que experimenta esse estado de paixão, trata-se de um amor verdadeiro e inquestionável. Portanto, intensidade e verdade se fundem nessa perspectiva idealizada de amor.
A intensidade da experiência amorosa também se dá na direção do ser amado, como se nunca ninguém o tivesse amado daquela forma. As expressões utilizadas para designar tal experiência costumam ser bastante trágicas e contundentes: “eu não existo sem você”, “você é meu mundo”, “minha razão de existir”, “nasci pra te fazer feliz”, “nada nesse mundo levará você de mim” e assim por diante.
Por outro lado, ao mesmo tempo em que o amor é tido como uma experiência mágica, especial, capaz de trazer um profundo bem-estar a quem o experimenta, especialmente quando se é correspondido, ele carrega consigo, em alguma medida, sentimentos de angústia, fragilidade e medo, com a possibilidade da perda do amor (certa incapacidade de amar) ou do ser amado. Assim como não sabemos muito bem de que forma ele se instala, também não sabemos de que forma esse sentimento tão avassalador se esvai ou mesmo porque ele desaparece com o tempo, embora muitas vezes a pessoa amada continue sendo especial, possuidora de muitas qualidades. Há, portanto, uma insegurança intrínseca ao amor, pois da mesma forma que não podemos dar explicações plausíveis para sua instalação em nós, não sabemos muitas vezes justificar racionalmente porque ele simplesmente desaparece depois de algum tempo. Por que amamos justamente determinada pessoa, se há tantas outras “melhores”, mais interessantes, mais inteligentes, mais bonitas, mais bem sucedidas, mais carinhosas, mais disponíveis afetivamente?
Podemos dizer ainda que os/as apaixonados/as, de certa forma, são seres narcísicos para o bem da paixão, ou seja, durante esse estado inebriante de apaixonamento, o outro parece não existir, na medida em que é apenas o objeto da paixão, “coisa” destinada a dar suprimento à satisfação dos desejos do sujeito apaixonado. Passado o estado da paixão, surge o outro, o diferente de mim, com todas as suas fragilidades e imperfeições. O outro, que antes era objeto do meu amor, passa a ser visto como desprovido de atrativos. Como aponta Solomon (1991), o valor que atribuímos ao ser que amamos não está nele, objeto do nosso amor, mas só se instala porque simplesmente amamos. Não se trata aqui de dizer que os sujeitos apaixonados estão fora da realidade, mas que eles, no estado de paixão, criam uma outra realidade.
Talvez a pergunta mais interessante para nossa reflexão não esteja pautada na busca insana sobre as origens do amor ou da paixão, mas na problematização das formas pelas quais amamos, ou ainda como administramos nossos desejos afetivo-sexuais e quais as estratégias e pressões sociais que se estabelecem para que transformemos nossos sentimentos em materialidade relacional, através do casamento, da conjugalidade e de todos os outros compromissos daí advindos.

“Cadê o amor, cadê?” A ilusão de completude

Em nossa cultura existem vários ditos populares que enaltecem a idéia de completude entre as pessoas que se amam, muitos deles provenientes de concepções religiosas e sobrenaturais. Talvez a expressão mais conhecida entre nós seja “almas gêmeas”, alimentada pela idéia de karma, reencarnação, destino (“Meu amor, nosso amor estava escrito nas estrelas”, já dizia a música cantada por Tetê Espínola). Outros ditos e ditados populares bem humorados, como por exemplo, “tampa da panela”, “há sempre um chinelo velho para um pé descalço”, “metade da laranja”, são bastante corriqueiros entre nós e expressam, de certa forma, esse desejo de que alguém nos complete e nos transforme em seres melhores, especiais, justamente porque amamos.
Tal idéia de completude é acionada sob dois aspectos: primeiro, se não amamos, não estamos completos, algo nos falta. Segundo, depositamos no outro, no ser amado, toda a responsabilidade da nossa felicidade. O outro é, dessa forma, revestido de um poder absoluto, como se ele, e somente ele, fosse capaz de nos preencher. Sem o ser amado estamos destinados à falta, a infelicidade. Sem aquele que supostamente nos completa, estamos vazios, aniquilados. Tal concepção leva, muitas vezes, os sujeitos a conduzirem suas vidas pautados não em sua própria trajetória (profissional, emocional, etc), mas alicerçados em projetos onde o outro é o centro e a razão de ser. Especialmente as mulheres, historicamente têm construído suas vidas através de sucessivas renúncias, em função do outro. Almira Rodrigues e Sílvia Yannoulas (1998, p. 66) observam que a identidade feminina se estabeleceu “com base no amor/entrega, do ser para os outros, da heteronomia, em um contrato temporalmente infinito”. Muitos discursos, desde o início do século, procuraram fazer de tal argumento uma verdade universal e imutável. Dar-se de forma incondicional, dedicando-se à família, sendo a principal responsável por sua manutenção.
As representações de felicidade e completude através do outro são tão contundentes, que em geral, quando a pessoa amada, objeto e fiel depositária dos nossos mais profundos sentimentos nos falta, ou simplesmente se vai, o que nos resta? Apenas o vazio e alguma lembrança? Ao depositarmos todas as nossas fichas no outro como principal responsável pela nossa felicidade e equilíbrio emocional (alguns apaixonados chegam mesmo a dizer que o amado é o ar que eles respiram!) podemos ser surpreendidos ou tomados por uma estranha sensação de esvaziamento em caso de rompimento da relação. Como costumamos administrar esses rompimentos, que geram muitas vezes inúmeros ressentimentos, mágoas, frustrações e até mesmo violência?

Para sempre ou infinito enquanto durar?

A idéia de indissociabilidade entre amor e eternidade continua presente em muitos discursos, especialmente o religioso, ainda que, na prática, com as diversas transformações ocorridas no âmbito das relações sociais, tenhamos hoje certa democratização e um afrouxamento nas relações afetivo-sexuais. O amor é percebido como um sentimento tão agradável e bom de se experimentar, principalmente quando se é correspondido, que temos o desejo (e certamente é mais um desejo do que uma possibilidade) de que tal sentimento se eternize (até porque dá muito trabalho começar tudo de novo). O belo soneto da fidelidade de Vinícius, repetido à exaustão, especialmente na parte em que diz “que não seja imortal, posto que é chama, mas que seja infinito enquanto dure”, vem expressar de modo muito singular o tom dessas transformações nas relações amorosas.
No entanto, apesar de presenciarmos inúmeras situações que nos falam da transitoriedade do amor, de sua impermanência e instabilidade, ainda assim muitos indivíduos continuam pautando suas vidas, no sentido mais concreto da existência, sob a ótica das idealizações que se pretendem eternas. Alguns discursos religiosos e mesmo grande parte dos discursos midiáticos costumam reforçar a idéia de um amor eterno, que deve ser buscado e mantido incessantemente.

O amor é entrega, renúncia, dedicação... mas para quem?

Vera Lucia Pereira Alves (2005), em sua tese de doutorado sobre livros de auto-ajuda que ensinam a como conseguir e manter um relacionamento amoroso mostra o quanto esse tipo de material produz uma pedagogia voltada especialmente para as mulheres, exigindo delas a árdua tarefa de se responsabilizarem pela manutenção da relação. Essa entrega implica constantemente em procedimentos que visam manter “a chama do amor” sempre acessa (necessidade de agradar o amado, por exemplo). Em muitas revistas e livros recentes ou não, é possível observar uma série de conselhos destinados às mulheres, reforçando a idéia de que elas são possuidoras de uma capacidade natural que as coloca na posição de cuidadoras em potencial (da casa, dos filhos, do marido, dos pais, dos amigos, etc).
Por outro lado, tais procedimentos para a manutenção do amor, mais especificamente da relação, e essa suposta entrega que é acionada quando se ama, faz com que muitos indivíduos pautem seus relacionamentos amorosos a partir de uma lógica possessiva, que não dá espaço para individualidades. Tal perspectiva leva a comportamentos de controle sobre o outro, em um constante monitoramento que se expressa através de ações, tais como: vasculhar objetos pessoais do amado - carteira, celular, contas bancárias, orkut, e-mails (alguns casais possuem até mesmo um e-mail conjunto!).
Há aqui a idéia de que entre o casal não pode/deve haver segredos, e sendo assim, não há, conseqüentemente, muito espaço para o exercício da individualidade. Dessa forma, é muito comum que os casais apaixonados ou simplesmente casados (mas não necessariamente apaixonados) tenham conta bancária conjunta, saibam as senhas um do outro, façam os mesmos programas juntos, tenham o mesmo grupo de amigos, etc. Em nome de uma suposta transparência na relação, muitos casais se obrigam a contar tudo um para o outro, prestando uma espécie de relatório diário sobre cada passo, que porventura, pretendam dar. Tal sentimento de posse e de controle sobre o outro, resulta, muitas vezes, em situações de violência, como apontam as estatísticas em torno da agressão física e psicológica contra as mulheres, bem como na dominação feminina sobre os homens.
Talvez seja interessante pensar, especialmente no âmbito de uma proposta de educação para a sexualidade nas escolas, por que, afinal de contas, o relacionamento amoroso traz consigo a idéia de que não deve haver segredos um para o outro?
É interessante observar que o amor romântico pressupõe uma entrega incondicional de si mesmo para o outro e uma cobrança para que o outro também tenha os mesmos propósitos. Tal dedicação e cumplicidade, no entanto, nem sempre são correspondidas, como nos mostram os dados referentes aos altos índices de contaminação pelo vírus HIV em mulheres casadas, que por terem essa condição, acham que podem confiar cegamente no parceiro (MEYER et alli, 2004).
Outro aspecto que merece reflexão diz respeito ao fato de que a vivência do amor deve ter no casamento o seu ápice, ou seja, para provar de fato que amamos o outro, precisamos mostrar que desejamos viver junto com aquela pessoa. A opção de não querer se casar coloca o sujeito sob suspeita (os homens, em especial, quando chegam a certa idade e não querem se casar são vistos com desconfiança – ou são gays ou são imaturos! Já as mulheres que não querem se casar são vistas como estranhas, devem ter algum problema, principalmente se não desejam ter filhos). Ou ainda: se a pessoa diz que ama, mas não quer casar, é como se ela não amasse o suficiente.
Tais situações demonstram a dificuldade de pensarmos o amor de forma isolada, uma vez que ele está sempre referido à conjugalidade e à própria história da família.

Das impermanências

As questões até aqui levantadas podem ser muito produtivas para se pensar a cultura e a forma como aprendemos a lidar com nossos sentimentos, como gerenciamos nossas escolhas afetivas. Como salienta Costa (1998, p. 12),

O amor é uma crença emocional e, como toda crença, pode ser mantida, alterada, dispensada, trocada, melhorada, piorada ou abolida. O amor foi inventado como o fogo, a roda, o casamento, a medicina, o fabrico do pão, a arte erótica chinesa, o computador, o cuidado com o próximo, as heresias, a democracia, o nazismo.
Como uma construção histórica e cultural, o amor, a paixão, bem como seus desdobramentos em termos de relação, merecem ser amplamente discutidos na perspectiva de uma educação para a sexualidade, e aqui utilizo essa expressão por entender que ela pode acionar discussões mais abrangentes quando se trata de refletir sobre nossos prazeres e desejos, não se restringindo ao sexual como ato, mas proporcionando outras vias de discussão e temáticas diversas, para além do viés biologicista.
O amor como tema de uma educação para a sexualidade, pode ser visto também, assim como quase tudo, na sua transitoriedade, inconstância e fluidez. Mas nem por isso, essa experimentação dos desejos e dos afetos se tornam menos valiosos (ainda que tenha data de validade!). Afinal, ninguém é o tempo todo e por tanto tempo tão interessante assim para o outro, embora essa situação de desfalecimento do amor ou da paixão seja um duro golpe nas nossas identidades tão narcísicas que aprendemos a cultivar. Como nos lembra o compositor Jorge Drexler, em sua música Sanar

“Y nadie sabe porqué um día el amor nace
ni sabe nadie por que muere el amor um dia
es que nadie nace sabiendo,
nace sabiendo
que morir, también es ley de vida”.

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NOTAS
(1) A música já foi gravada por importantes nomes da MPB como Elis Regina, Ed Motta e outros.
(2) Na perspectiva pós-estruturalista, conhecer e representar são processos inseparáveis. A representação – compreendida aqui como inscrição, marca, traço, significante e não como processo mental – é a face material, visível, palpável do conhecimento (SILVA, 1999, p.32).
(3) Recentemente me deparei com um catálogo de lançamentos editoriais onde constava o livro “Como arranjar marido depois dos 35”, de Rachel Greenwald (Sextante, 2004). Interessante notar que a maioria desses livros se direciona ao público feminino.
(4) O conceito de casamento deve ser aqui entendido em seu sentido mais amplo, ou seja, de co-habitação, não necessariamente um casamento legalizado, “no papel”, o que possibilita incluir as relações homossexuais nessa discussão.
(5) No curso de Pedagogia da UFRGS venho oferecendo há alguns anos a disciplina Educação sexual na escola, disponibilizando alguns dos resultados de estudos desenvolvidos na linha de pesquisa Educação, sexualidade e relações de gênero, do Programa de Pós-Graduação em Educação.
(6) De modo muito resumido, podemos dizer que o conceito de homofobia pode ser caracterizado como a aversão aos homossexuais e a misoginia refere-se às manifestações de ódio ou desprezo a todo e qualquer comportamento que possa parecer feminino (BLOCH, 2005). Já a heterofobia refere-se à discriminação por parte de homossexais em relação aos hetero (BALESTRIN, 2005).
(7) Ver ainda as obras de Arent (s/d), Alberoni (1995), Ingeneiros (1997), Finzi (1998), Matos (2000), Le Goff (2003) e Bauman (2004).
(8) Ver CUNHA, 1982, p. 37-41.
(9) Ver NEVES, 2001.
(10) Ver VIARO, 2004.