sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Considerações sobre o conceito de Gênero

A proposta desse texto consiste em parafrasear algumas passagens dos artigos Gênero: uma categoria útil de análise histórica de Joan Scott, e Gênero, história e educação: construção e desconstrução de Guacira Lopes Louro, naquilo que se refere a compreensão do conceito de Gênero.

Rejeitando explicações biológicas, o gênero é utilizado para designar as relações sociais entre os sexos, tornando-se uma maneira de indicar construções sociais, ou seja, a criação inteiramente social das ideias sobre os papéis adequados aos homens e às mulheres. Refere-se, portanto, às origens exclusivamente sociais das identidades subjetivas dos homens e das mulheres. Enquanto uma categoria social imposta sobre um corpo sexuado, ele não é diretamente determinado pelo sexo, nem determina diretamente a sexualidade.
Joan Scott argumenta que “como elemento constitutivo das relações sociais fundadas sobre as diferenças percebidas entre os sexos”, o gênero implicaria nos símbolos culturalmente disponíveis numa sociedade que “evocam representações simbólicas (e com freqüência contraditórias)”; os conceitos normativos, ou seja, as doutrinas (religiosas, educativas, jurídicas, políticas, científicas, etc.) que “expressam interpretações dos significados dos símbolos”; as instituições sociais, a organização social e econômica (o que inclui o mercado de trabalho, a educação, o sistema político, etc.); as identidades subjetivas, “as formas pelas quais as identidades generificadas são substantivamente construídas” pelos sujeitos.
Nesse viés, uma compreensão mais ampla de gênero exige que pensemos não somente que os sujeitos se fazem homem e mulher num processo continuado, dinâmico (portanto, não dado e acabado no momento do nascimento, mas sim construído através de práticas sociais masculinizantes e feminilizantes, em consonância com as diversas concepções de cada sociedade); como também nos leva a pensar que o gênero é mais do que uma identidade aprendida, é uma categoria imersa nas instituições sociais (o que implica admitir que a justiça, a escola, a igreja, etc. são “generificadas”, ou seja, expressam as relações sociais de gênero). Em todas essas afirmações está presente, sem dúvida, a idéia de formação, socialização ou educação dos sujeitos.
Scott salienta, ainda, que é necessário não apenas rejeitar o caráter fixo e permanente da oposição binária, mas também uma historicização e uma desconstrução autênticas dos termos da diferença sexual. O que significa analisar dentro do seu contexto a maneira pela qual opera toda oposição binária, derrubando e deslocando sua construção hierárquica, em lugar de aceitá-la como real, como evidente por si ou como sendo da natureza das coisas. Além do mais, um pólo não apenas depende do outro, mas, em certa medida, também contém o outro, de modo reprimido, desviado. A interdependência desses termos deveria ser entendida como indicando que um deriva seu sentido do outro e que essa oposição é construída e não inerente.
O gênero também é uma primeira maneira de dar significado às relações de poder. É um primeiro campo no seio do qual, ou por meio do qual, o poder é articulado. Estabelecidos como um conjunto objetivo de referências, os conceitos de gênero estruturam a percepção e a organização concreta e simbólica de toda a vida social. Na medida em que estas referências estabelecem distribuições de poder (um controle ou um acesso diferencial às fontes materiais e simbólicas), o gênero torna-se envolvido na concepção e na construção do poder em si mesmo.
Dessa maneira, Scott fala da necessidade de substituir a noção de um poder social unificado, coerente e centralizado por qualquer coisa que esteja próxima do conceito foucaultiano de poder, entendido como constelações dispersas de relações desiguais, constituídas pelo discurso nos campos de forças sociais.
Conforme Guacira Lopes Louro, a visão foucaultiana lembra que as relações de poder são sempre “tensas” e que mais se assemelhariam a uma “batalha perpétua” do que a “uma conquista”, remetendo, portanto, mais a processos, a práticas cotidianas do que a eventos acabados. Foucault ainda acentua, enfaticamente, os efeitos do poder, e não sua “posse”. Todas essas colocações parecem ser muito apropriadas para se pensar as relações que se estabelecem histórica e socialmente entre homens e mulheres. Por sua vez, essas relações podem ser percebidas como relações de poder na medida em que sejam relações entre sujeitos livres e, portanto, que suponham resistências, respostas, reações, transformações. Isso não exclui que possa haver (e há) relações de violência entre homens e mulheres (como há entre homens e homens ou entre mulheres e mulheres). No entanto, no entendimento de Foucault, tais relações só se caracterizam como práticas de poder quando os sujeitos que são submetidos podem eventualmente escapar dessa sujeição.
Logo, ser do gênero feminino ou masculino implica em perceber e estar no mundo de modos diferentes, do ponto de vista concreto e simbólico – o que leva Joan Scott a dizer que há “um controle ou um acesso diferencial aos recursos materiais e simbólicos” e que isso supõe entender que “o gênero torna-se implicado na concepção e na construção do próprio poder”.


Referências Bibliográficas
SCOTT, Joan. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Educação e Realidade, Porto Alegre, n. 16, v. 2, p. 5 – 22, jul./dez., 1990.
LOURO, Guacira Lopes. Gênero, história e educação: construção e desconstrução. Educação e Realidade, Porto Alegre, n. 20, v. 2, p. 101 – 132, jul./dez., 1995.